Extradição: ato político-jurídico.
A extradição de uma pessoa significa ato de entrega, feito por um governo a pedido de outro. Essa pessoa certamente é acusada da prática de crime nalgum outro país, ou talvez até mesmo já tenha sido condenada pela Justiça local, mas, entretanto, encontra-se refugiada em outro país. É um ato político-jurídico, pois não é um assunto apenas jurídico-judicial, mas também de política internacional. Haverá o necessário envolvimento de mais de um dos poderes da República. Recusar ou concordar com uma extradição implica, diretamente, a proteção de direitos humanos.
A extradição é ato praticado por diversos países desde a Antigüidade. Não devemos confundi-la com expulsão ou deportação, que são outros tipos de atos, embora alguns países venham usando a deportação como uma extradição disfarçada. Quando falamos em extradição, via de regra, pensamos em relações internacionais, mas poderá haver extradição interestadual também. Todavia, trata-se de caso excepcional.
A Constituição do Brasil, no art. 5o., incisos LI e LII, refere-se à extradição, estabelecendo que: “Nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei“; e, também, “Não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião“, sendo esta regra quase universalmente consagrada.
Conclui-se da leitura do inciso LI acima que: nenhum brasileiro nato será extraditado a pedido de país estrangeiro; que o brasileiro naturalizado poderá ser extraditado em alguns casos; e que um estrangeiro também não será extraditado pelo governo brasileiro se a acusação que pesar sobre ele for de crime político ou de opinião. O fato do extraditando ter se casado com pessoa brasileira ou ter filhos brasileiros não impede sua extradição.
A lei federal n. 6.815/80 – Estatuto do Estrangeiro, é que disciplina essa matéria, estabelecendo regras importantes, como a contida em seu art. 75: A extradição poderá ser concedida quando o governo requerente se fundamentar em convenção, tratado ou quando prometer ao Brasil a reciprocidade. Diz, ainda, no seu art.77, que “são condições para a concessão da extradição: I – ter sido o crime cometido no território do Estado requerente ou serem aplicáveis ao extraditando as leis penais desse Estado….”. É o Decreto federal n. 86.715/81 que regulamenta essa lei. (ATUALIZANDO: o Estatuto do Estrangeiro sofreu modificações nos seus arts. 80, 81 e 82, conforme nova lei de novembro de 2013 – http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12878.htm)
Tratando-se de pedido de extradição feito entre países, deverão ser obedecidas as regras já estabelecidas em tratados internacionais. No Brasil, manda a lei que o país requerente deverá também enviar o texto de sua legislação que diga respeito ao caso, em língua portuguesa. Tudo será praticado por intermédio de vias diplomáticas e o pedido será julgado pelo Supremo Tribunal Federal.
No Brasil, a extradição é um processo judicial (art.102, I, letra “g”), que tramita perante o Supremo Tribunal Federal, devendo o extraditando estar preso e colocado à disposição do Tribunal. O STF irá julgar se o pedido de extradição atende aos requisitos previstos pelas normas legais brasileiras, bem como se as leis do país que requer a extradição foram judicialmente aplicadas no caso e estão em conformidade com as regras estabelecidas no tratado internacional celebrado entre os dois países envolvidos. No caso do STF não concordar com o pedido, evidentemente, o presidente da República nada poderá fazer, considerando-se que o pedido inicial está incorreto.
Ao final do processo, caso o STF concorde com o pedido de extradição, declarando-o perfeitamente legal, o ato final da extradição, por ser ato de soberania de Estado, somente será determinado – negando ou concordando com a permanência do refugiado no país – pelo presidente da República (art.84, VII), pois é o Chefe do Poder Executivo quem representa o país. A decisão judicial não obriga a Presidência da República, apenas indica que o pedido está correto. Caberá ao Poder Executivo decidir da conveniência ou não do ato de extradição.
Chamamos a isso de ato discricionário do Presidente da República, em conformidade com a teoria de “checks and balances” (harmonia entre os três poderes). É claro que o ato do Poder Executivo que nega a extradição deverá estar fundamentado nos termos previstos no tratado internacional, firmado entre os dois países envolvidos no caso. Estando apoiado em possibilidade prevista no Tratado, estará correto. No Brasil, a última palavra neste ato político-jurídico é a do Presidente da República.
No caso da Presidência concordar com o pedido, quem fará a entrega do extraditando será a Polícia Federal (art.110, do Decreto 86.715/81), que é um órgão subordinado ao Poder Executivo.
Inês do Amaral Büschel, em 10 de janeiro de 2011.
(este artigo foi originalmente foi publicado no www.correiodacidadania.com.br em novembro de 2001)
Oi mana. Que ótima mestra você é, pois tenho cá pra mim que apesar de leiga no assunto, penso que entendi o que você explicou!
Tenho também a pretensão de “resumir” seu artigo (!). Corrija-me rápido caso eu tenha cometido erro tenebroso. Pelo que entendi, é o seguinte: O STF julga o PEDIDO de extradição, o qual poderá estar correto ou incorreto e o envia à Presidente da República.
Se correto, é o Presidente da República quem DECIDE a favor ou não da extradição.
Se assim é, por que esse barulho todo em relação ao italiano Cesare Battisti? O STF não julgou o pedido procedente/correto e o enviou à Presidência da Repúblia? O Presidente não decidiu não extraditá-lo? Então…
Aguardo mais uma luz.
Olá, mana, sim é isso que penso. Aprendi assim estudando os melhores mestres. No Brasil, cabe ao Presidente da República a decisão de recusar ou atender o pedido de extradição. Bem, cá entre nós, acho que o barulho da mídia brasileira se deve ao pensamento de muitos jornalistas, que ainda acham que somos uma colonia da Europa e, sendo assim, um pedido do Reino significa uma ordem para os colonos. Isso é que é servidão voluntária! bjs. inês
Gostei do texto, embora quisesse um explicação mais detalhada sobre se a decisão do STF vincula ou não o chefe do executivo – alguns autores tem a opinião contrária. Não entanto, não custa dar uma olhada nos “grandes mestres”.
O último comentário parece um pouco apaixonado. O Brasil é certamente um país soberano, mas o respeito a tratados internacionais não equivale a mera subserviencia. Afinal, foi no exercício de sua soberania que o Estado firmou o tratado internacional. Que pensar da não extradição de um genocida como Paul Stangl, que foi responsável pela morte de mihares de judeus? Trata-se de um instrumento de cooperação internacional para coibição de práticas criminosas.
Mas ainda assim parabéns pelo texto.
Olá, Rafael, obrigada pela visita. Gostaria de te dizer que o Brasil respeitou o tratado mantido com a Itália. Nem pensar em não cumprí-lo! A decisão tomada pelo Presidente da República está perfeitamente baseada nos termos do Tratado. Acontece que as regras jurídicas são complexas e a mídia, em geral, não costuma esclarecer as minúcias contidas em cada caso. Os ministros do STF não são loucos. Ao menos não todos…Eles sabiam que a decisão tomada estava correta e nos termos do Tratado. Pena que a mídia não nos deu os detalhes. Abs. inês