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CARTA AOS PUROS, do poeta brasileiro Vinicius de Moraes
Defrontar-se com as mudanças involuntárias que ocorrem na vida da gente não é fácil. Lidar com as dificuldades que surgem em nosso caminho exige sabedoria pessoal, e temos de encará-las como seres adultos que somos. Há um mês venho fazendo esse esforço. Ando bastante reflexiva. Mas está bem difícil aceitar a realidade.
Estou decepcionada com o analfabetismo político demonstrado por uma grande massa de cidadãos(ãs) brasileiros(as) letrados(as) e outros(as) nem tão letrados(as) assim. Se igualam na sua insensatez. Condenam, sinceramente, qualquer atividade política. E com isso abrem todos os caminhos para muitos homens e mulheres malandros dominarem a política nacional.
Há uma grande parte de brasileiros – felizmente, não são todos! – que desdenham, ou mesmo ignoram, o valor de um regime democrático. Uma expressiva parcela desses cidadãos antidemocráticos são autoritários e desejam mandar nos outros. E uma outra parte compõe-se de servos voluntários que tem preguiça de pensar e enfrentar os autoritários. Preferem ser servos obedientes. Está rareando entre nós o espírito crítico. Emburrecemos. Só pode ser isso.
Claro, caro(a) leitor(a) que estou me referindo à farsa do processo de impedimento da Presidenta da República brasileira. Para mim, trata-se de uma encenação bem urdida para encobrir mais um golpe de Estado, desta vez sem a colaboração das forças das armas, mas com a força de um Parlamento eleito, todavia composto por muitos políticos medíocres, machistas e movidos pelo dinheiro.
Essa grande jogada conta ainda com a insidiosa manipulação do imaginário do povo brasileiro por intermédio do monopólio midiático (TV, rádio e imprensa) e, por que não dizer, também de alguns autoritários representantes do Poder Judiciário, do Ministério Público e da força policial, que usam e abusam do discurso cínico-seletivo do combate à corrupção. E que interpretam as regras jurídicas ao seu modo grosseiro e ideologicamente comprometido. Uma lástima.
Tendo dedicado-me ao estudo do Direito, e levado a sério o Estado democrático destinado a assegurar os direitos humanos de todos, hoje, fico pasma ao ver que as regras jurídicas estão sendo manipuladas, escancarada e cinicamente, por autoridades constituídas de meu país. Isso é motivo de desalento para mim. Desrespeitam a democracia e tornam-se tiranos. Desiludi-me.
Mas me resta o campo da resistência. É onde me coloco. Não admitirei o retrocesso social e cultural do Brasil. Se nos falta dinheiro/verba/recursos para bancar os direitos sociais previstos em nossa Constituição Federal, que se faça imediatamente a reforma tributária e se aumente os tributos daqueles que tem capacidade financeira para pagar mais. Façamos isso em nome da harmonia social que o povo brasileiro merece. Andar para trás, jamais!
Porém, como nos ensina nosso inspirado poeta-compositor Paulinho da Viola em sua canção intitulada “Pecado Capital ” […} “mas é preciso viver, e viver não é brincadeira não” , trago aqui para você caro(a) leitor(a) as sábias palavras de um outro grande poeta brasileiro, Vinicius de Moraes (1913-1980), que publicou no ano de 1935, esta bela poesia a que deu o título de “Carta aos Puros “, e que traduz meu sentimento neste momento histórico:
Ó vós, homens sem sol, que vos dizeis os Puros
E em cujos olhos queima um lento fogo frio
Vós de nervos de nylon e de músculos duros
Capazes de não rir durante anos a fio.
Ó vós, homens sem sal, em cujos corpos tensos
Corre um sangue incolor, da cor alva dos lírios
Vós que almejais na carne o estigma dos martírios
E desejais ser fuzilados sem o lenço.
Ó vós, homens iluminados a néon
Seres extraordinariamente rarefeitos
Vós que vos bem-amais e vos julgais perfeitos
E vos ciliciais à ideia do que é bom.
Ó vós, a quem os bons amam chamar de os Puros
E vos julgais os portadores da verdade
Quando nada mais sois, à luz da realidade,
Que os súcubos dos sentimentos mais escuros.
Ó vós que só viveis nos vórtices da morte
E vos enclausurais no instinto que vos ceva
Vós que vedes na luz o antônimo da treva
E acreditais que o amor é o túmulo do forte.
Ó vós que pedis pouco à vida que dá muito
E erigis a esperança em bandeira aguerrida
Sem saber que a esperança é um simples dom da vida
E tanto mais porque é um dom público e gratuito.
Ó vós que vos negais à escuridão dos bares
Onde o homem que ama oculta o seu segredo
Vós que viveis a mastigar os maxilares
E temeis a mulher e a noite, e dormis cedo.
Ó vós, os curiais; ó vós, os ressentidos
Que tudo equacionais em termos de conflito
E não sabeis pedir sem ter recurso ao grito
E não sabeis vencer se não houver vencidos.
Ó vós que vos comprais com a esmola feita aos pobres
Que vos dão Deus de graça em troca de alguns restos
E maiusculizais os sentimentos nobres
E gostais de dizer que sois homens honestos.
Ó vós, falsos Catões, chichisbéus de mulheres
Que só articulais para emitir conceitos
E pensais que o credor tem todos os direitos
E o pobre devedor tem todos os deveres.
Ó vós que desprezais a mulher e o poeta
Em nome de vossa vã sabedoria
Vós que tudo comeis mas viveis de dieta
E achais que o bem do alheio é a melhor iguaria.
Ó vós, homens da sigla; ó vós, homens da cifra
Falsos chimangos, calabares, sinecuros
Tende cuidado porque a Esfinge vos decifra…
E eis que é chegada a vez dos verdadeiros puros.
Se você caro(a) leitor(a), desejar conhecer mais sobre a obra desse poeta, visite o site http://www.viniciusdemoraes.com.br
Inês do Amaral Buschel, em 17 de maio de 2016
Formidável! Sua escrita, teu exemplo de vida me inspiram. Obrigado Inês! Sempre me lembro do cartaz que tinhas ou ainda tens em tua mesa de trabalho: “você faz alguma coisa ou você só reclama?” Genial!
Bom dia, querido amigo! Muito obrigada pelas boas palavras. O sentido da frase que escrevi era esse, mas escrevi assim: “VOCÊ AJUDA ALGUÉM OU SÓ ENCHE?” . Agora, voltando ao post, você não acha que o Congresso Nacional deveria, primeiro, promover uma boa reforma tributária e depois dar tratos à reforma da previdência? Nesta país se tem muito mêdo de mexer nos interesses dos mais ricos, infelizmente. Penso que nos falta coragem para exigir isso. bj inês
vc me representa… penso exatamente igual… …. e mais q isso, queria agradecer pelo retorno de um outro post, estava mal e como foi bom receber suas palavras! vc nao tem noção o qto de pessoas pode estar auxiliando neste momento… obgda
Bom dia, Izilda. Recebo seu comentário como um presente para mim! Muitíssimo obrigada. Receba um forte abraço, inês
Olá mana. Fiquei emocionada com seu escrito. Obrigada por ter lembrado da poesia do poetinha. Apropriadíssima neste momento triste do golpe ao país. Resistiremos como pudermos, mas resistiremos. Você me representa! Bjs
Boa noite, mana. Parece-me que vivemos um pesadelo político! Pensei que não veríamos mais tanta mediocridade pública. Paciência. Resistiremos. bj